ENTREVISTA: ICC consolida sua atuação na área de pesquisa em doenças fúngicas

por / quarta-feira, 18 agosto 2021 / Categoria Instituto Carlos Chagas

Grupo reúne cientistas de diferentes áreas e abordagens para buscar possibilidades de novas terapias e investigar a resistência desses microrganismos aos medicamentos

Nos últimos anos, as doenças causadas por fungos ganharam uma importância crescente como problema de saúde pública no mundo. Habitantes comuns do meio ambiente – presentes no solo e no ar, bem como no próprio corpo humano –, os fungos vêm provocando um número cada vez maior de doenças graves, resistentes a antifúngicos, e até fatais. No Instituto Carlos Chagas (ICC/ Fiocruz Paraná), um grupo de cientistas do Laboratório de Regulação da Expressão Gênica trabalha na busca por alvos para novos medicamentos e nas pesquisas que investigam os mecanismos de resistência desses microrganismos às terapias disponíveis.

Nesta entrevista, os pesquisadores Márcio Rodrigues e Lysangela Alves falam sobre a consolidação da linha de pesquisa no Instituto e esclarecem os principais aspectos relacionados às doenças fúngicas. O grupo, que conta com 14 participantes atuando na área de infecções fúngicas, está hoje consolidado  e atua na pesquisa de fungos de importância para a saúde pública.

 

Como a linha de pesquisa relacionada a fungos foi implantada no Instituto Carlos Chagas?

Márcio: Como pesquisadora do Instituto, a Lysangela já trabalhava nessa área. Iniciamos uma colaboração em 2011 e, com a minha vinda para o ICC, em 2018, criamos um grupo que hoje se consolidou e realiza pesquisas importantes na área.

Lysangela: Com a chegada do Márcio, ampliamos nossa atuação. No meu caso, quando entrei na Fiocruz, o pesquisador Samuel Goldenberg sugeriu que fizéssemos algo voltado para a realidade da região onde o Instituto está inserido, e trabalhar com a área da micologia molecular na Fiocruz seria algo bastante promissor e de grande interesse para o sistema único de saúde.

Na avaliação de vocês, quais são os principais desafios no contexto das infecções fúngicas?

Márcio:  A maior parte dos fungos está no ambiente e temos contato com eles o tempo todo. Muitas das doenças causadas por fungos são de pouca gravidade. Esse cenário se torna preocupante, porém, quando falamos de indivíduos imunodeprimidos, que são altamente suscetíveis a esses patógenos. Cerca de 1 milhão e 500 mil pacientes morrem a cada ano por causa dessas infecções. Outro aspecto é que os medicamentos disponíveis são antigos e o ritmo de inovação nessa área é muito lento.

Lysangela: Os medicamentos existentes com um custo mais acessível são muito tóxicos ao organismo humano e funcionam para alguns casos e outros não. Os medicamentos com formulações menos tóxicas são muito caros. Além disso, a aplicação desses medicamentos é de forma intravenosa, em ambiente hospitalar, o que aumenta o risco de infecção por outros fatores e o custo do tratamento.

 

Quais as principais linhas de pesquisa que o grupo de fungos do Laboratório de Regulação da Expressão Gênica desenvolve?

Márcio: A equipe que coordeno estuda essencialmente o gênero Cryptococcus, causador de meningites muito mais letais que as bacterianas ou virais. Investigamos a busca de novos antifúngicos, incluindo o reposicionamento de fármacos já conhecidos. Também investigamos os chamados processos de secreção, forma pela qual os fungos exportam as moléculas que causam dano ao hospedeiro humano e, também, fundamental para entender a resistência desses microrganismos às terapias existentes.

Lysangela: Eu coordeno as pesquisas relacionadas ao entendimento da biologia da espécie Candida auris relacionado ao processo de secreção, bem como a regulação da expressão gênica na presença de diferentes antifúngicos. Identificada pela primeira vez em 2009, C. auris acomete pessoas com a imunidade debilitada e submetidas a procedimentos invasivos. A infecção por esse fungo tem chamado atenção, já que ocorre no ambiente hospitalar, é resistente a medicamentos e pode ser fatal. Em todo o mundo, estima-se que tenha levado à morte de entre 30% e 60% dos pacientes.  No Brasil, em dezembro de 2020, a Agência de Vigilância Sanitária emitiu um alerta em relação ao problema, após a identificação do primeiro caso no estado da Bahia.

 

E qual é o panorama de incentivo à pesquisa na área de micologia, do estudo científico de fungos, no Brasil?

Márcio: O financiamento de pesquisas na área de micologia é muito menor do que áreas que envolvem outras doenças de importância médica similar. Não há investimento em longo prazo, o que dificulta o desenvolvimento de novas terapias, por exemplo. A área é muito pequena comparada a outras, mas a micologia brasileira é reconhecida em todo o mundo. Apesar do baixo investimento, o Brasil se tornou um dos principais centros do mundo no estudo de fungos. Nosso grupo está inserido em muitas iniciativas nacionais e internacionais de cooperação. Mantemos colaboração com pesquisadores dos Estados Unidos, da França, do Reino Unido e com universidades do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná.

Lysangela: Realmente, a área tem a importância pouco reconhecida. Mas, como o Márcio pontuou, apesar do baixo investimento, o trabalho desenvolvido é fundamental. Aqui no ICC, por exemplo, a instituição se adaptou a um problema de saúde pública e o grupo cresceu somando os conhecimentos de diferentes cientistas e diferentes abordagens.

Além da pesquisa, quais são os aspectos que poderiam contribuir para o enfrentamento das doenças fúngicas?

Márcio: É preciso muito rigor na higiene e utilizar medicamentos apenas da forma recomendada pelos médicos. Não podemos banalizar o uso de medicamentos indiscriminadamente. A vigilância epidemiológica também é fundamental. Precisamos pesquisar sempre, de forma contínua, para gerar respostas que possam fazer a diferença em emergências sanitárias. Outro fator que é preciso ressaltar é que as doenças fúngicas fazem parte do grupo de doenças negligenciadas, têm sua maior incidência nas populações mais vulneráveis e, em indivíduos imunodeprimidos, o risco de perdas de vidas humanas é muito acentuado.

Lysangela: Márcio resumiu bem, só reforçaria a questão do desequilíbrio ambiental nesse contexto. O aquecimento global, por exemplo, favorece o aparecimento de novas espécies. Por isso, a continuidade da pesquisa é muito importante para esse enfrentamento.

Para conhecer a atuação do Laboratório de Regulação da Expressão Gênica nessa área e nas áreas de Parasitologia Humana e Bioinformática, acesse https://www.icc.fiocruz.br/labreg/

 


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