Aula Magna na Fiocruz Paraná discute arboviroses no contexto sócio-histórico
No dia 08 de abril, o Programa de Pós-graduação em Biociências e Biotecnologia (PPGBB) do Instituto Carlos Chagas/ Fiocruz Paraná, realizou a aula magna que abriu oficialmente as atividades acadêmicas de 2024. O evento recebeu como palestrante convidado o médico infectologista, pesquisador e assessor da Presidência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio.
Como o tema “Da dengue ao Oropouche: chegaremos a 50 anos de negligência social?”, o palestrante fez um panorama histórico, epidemiológico e social, discorrendo sobre os avanços e desafios no enfrentamento das epidemias de dengue, chikungunya e zika vírus no Brasil, e no monitoramento da chegada do Oropouche no país. “As epidemias de arboviroses continuarão acontecendo, a menos que se desenvolvam novas tecnologias para o controle de vetores ou vacinas disponíveis em larga escala”, ressaltou Rivaldo. Nesse sentido, a chegada da vacina da dengue, apesar de ainda não ser produzida em larga escala, é uma conquista a ser comemorada. “O que muitos não sabem é que Albert Sabin, o cientista que desenvolveu a vacina contra a poliomielite, primeiro tentou desenvolver uma vacina contra a dengue, mas desistiu em função da complexidade do feito. Por isso, a chegada de uma vacina hoje, é decorrente de um estudo de longa data e precisa ser valorizada”, ressaltou.
Reconhecido nacional e internacionalmente pelas pesquisas realizadas sobre arboviroses de importância para saúde pública, a marca do palestrante é sua inserção na realidade social da população brasileira, cuja análise faz parte de todas as suas falas. Ao longo de sua trajetória científica, Rivaldo vem abordando o processo saúde-doença dentro de um contexto sócio-histórico, ambiental, político, econômico e cultural, ressaltando a necessidade de que problemas de saúde sejam consideradas como resultantes de determinantes sociais e ambientais que são impactadas por um conjunto de políticas públicas, além da saúde.
Desta forma, o pesquisador traz em sua Aula Magna uma abordagem muito cara ao PPGBB, que busca oferecer a seus discentes uma formação crítica e inserida na realidade, que os capacite não apenas para o conhecimento técnico, mas os estimule a um pensamento sistêmico em que se possam ver como cidadãos capazes de atuar para modificar a realidade e contribuir com o desenvolvimento social do país.
Para o diretor do ICC, Stenio Fragoso, a aula de abertura do programa de pós-graduação do ICC traça a tônica do que busca o instituto hoje. “Nestes 25 anos de Fiocruz Paraná, amadurecemos como instituto de pesquisa e educação, compreendendo melhor as possibilidades de atuação que temos para contribuição da saúde da população brasileira. Rivaldo traz um tema que é sempre atual e por vezes urgente, como agora, e que é fundamental que nosso corpo discente o conheça em sua abrangência e das responsabilidades que cabem a todos nós no enfrentamento a essas doenças”, pondera o diretor.
Rivaldo conta que, ao longo de sua trajetória, já vivenciou todos os lados da mesma questão, inicialmente pesquisando, posteriormente atuando no serviço de saúde, na gestão, e na condição de usuário dos serviços quando acometido pela doença.
“Essa característica do nosso palestrante convidado de exibir a mais recente e atual produção de conhecimento sobre o tema, trazendo sua experiência em campo aliada a um profundo lado humano em sua aproximação com os doentes e as necessidades dos serviços, traz uma contribuição inestimável para nosso programa”, afirma a vice-diretora de Educação, Informação e Comunicação do ICC, Maria das Graças Rojas Soto. “Temos a responsabilidade de formar profissionais que dominem seus temas de estudo e sejam também sensíveis às dificuldades vivenciadas pela sociedade. Neste momento, há um movimento intenso da Fiocruz para dar respostas a esse problema de saúde, e, para que possamos nos somar, é necessário que o conheçamos em todos os seus aspectos, análise que Rivaldo faz de forma impecável”, finaliza a vice-diretora.
A coordenadora do PPGBB, Tatiana Brasil, ressalta a qualidade da aula de abertura do ano letivo. “A Aula Magna oficializa o início do ano letivo do PPGBB. Iniciar com esta palestra certamente nos traz consciência e entusiasmo para o novo ano”, declara Tatiana. “Os pós-graduandos tiveram a oportunidade de conhecer histórico, atualização, perspectivas e desafios na área de atenção básica e políticas públicas para controle e enfrentamento de viroses, e de interagir com um dos maiores especialistas do mundo no assunto”, afirma a coordenadora.
Em sua fala, Rivaldo destacou o pioneirismo e o protagonismo da Fiocruz Paraná nas pesquisas relacionadas ao zika vírus. “Os primeiros casos foram identificados em 2015 aqui, na Fiocruz Paraná. As descobertas de pesquisas brasileiras sobre o zika vírus, na minha opinião, foram a grande contribuição do país para a ciência mundial, depois das contribuições sobre a Doença de Chagas”, defendeu.
Da dengue ao Oropouche: chegaremos a 50 anos de negligência social?
Venâncio analisa o panorama socioambiental como um importante fator de aumento de números casos e da ocorrência de epidemias ao longo dos anos. “A urbanização desordenada e a alta densidade populacional dificultam as atuais formas de controle do vetor. Somam-se a isso o excesso de lixo gerado, que não contam com uma correta destinação, além do abastecimento irregular de água, que gera seu armazenamento e, consequentemente, criadouros dos mosquitos transmissores”, pontuou.
Destaca também a necessidade da reorganização da rede de atenção à saúde. “Eu parto pressuposto de que todas as mortes provocadas por dengue são evitáveis se houver um atendimento mais eficiente”, explicou o cientista.
Em relação ao Oropouche, o pesquisador esclarece que alerta foi dado pela Organização Pan-Americana de Saúde em fevereiro de 2024. “Inegavelmente já tivemos uma epidemia na região Norte do país, já que no Amazonas foram registrados até o mês de março, cerca de 1,6 mil casos”, disparou. “Apesar do quadro clínico ser muito parecido com o da dengue, ele é bifásico. O paciente apresenta os sintomas, melhora em seguida e, depois de alguns dias, volta a sofrer com esses mesmos sintomas”, contou.
Rivaldo finalizou sua apresentação falando sobre a importância de estimular a sociedade civil a participar das ações de combate ao vetor e reforçando o impacto da desigualdade social como determinante no enfrentamento das epidemias causadas por essas doenças. “Costumo dizer que vivemos um apartheid social, fruto de 500 anos de uma política que gera a desigualdade social. É inconcebível que hoje, no Brasil, mais de 300 mil pessoas não tenham moradia. Esses fatores dificultam e agravam o enfrentamento de doenças de importância para a saúde pública”, finalizou.