Fiocruz Paraná abre semana de aniversário discutindo a situação vacinal no país

por / quinta-feira, 03 agosto 2023 / Categoria Instituto Carlos Chagas

Depois do esforço para expandir o alcance das vacinas contra a Covid-19, a Fiocruz agora deposita energia em um projeto para que o Brasil reconquiste as altas taxas de coberturas vacinais que fizeram do país uma referência mundial. As ações que procuram incentivar a população a se manter vigilante na prevenção de doenças graves – algumas das quais ressurgiram depois da erradicação – foram o ponto central dos debates desta segunda-feira (31), durante o Simpósio “Da vacina à vacinação”, promovido pelo Instituto Carlos Chagas (ICC) – Fiocruz Paraná, em comemoração aos 14 anos da instituição.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, a cobertura vacinal da população vem caindo no país. Mesmo com o acesso gratuito da população brasileira a todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – cerca de 20 imunizantes, incluindo contra a Covid-19, a cobertura vacinal no país foi de apenas 67,94%, em 2022.

Segundo a coordenadora da Assessoria Clínica de Bio-Manguinhos e líder do Projeto pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, Lurdinha Maia, é preciso uma ação integrada e compartilhada dos trabalhadores de saúde, das autoridades e gestores de saúde federais, estaduais e municipais, de profissionais de diferentes esferas, das instituições de ensino e a sociedade civil para tirar o país do caminho que leva ao desastre anunciado e possibilitar a reconquista das altas coberturas vacinais de forma sustentável.

“Com o cenário de queda acentuada das coberturas vacinais no Brasil e no mundo e a ameaça do retorno de diversas doenças já erradicadas do Brasil, como a poliomielite e o sarampo, Bio-Manguinhos, enquanto importante unidade produtora de imunizantes, percebeu que não poderia se abster de tomar alguma atitude para a reversão deste cenário. Por isso, em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o Ministério da Saúde, criou o Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais”, afirmou Lurdinha Maia.

O evento se configurou como um diálogo entre pesquisa, serviço e sociedade, reunindo além da palestrante magna, interlocutores do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Secretaria de Estado de Saúde do Paraná, da Secretaria Municipal de Curitiba, do Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba e da Fiocruz Paraná.

Em sua exposição, César Neves, diretor-geral da Secretaria de Saúde do Paraná, lembrou que a média vacinal no Paraná ficou em 69%, em 2022, destacando o papel das fake news na queda na vacinação no país e no mundo. “A partir de 2016, é possível perceber a queda na cobertura vacinal no país, chegando ao desastre absoluto em 2022. Muitas coisas colaboraram para isso. Entendo que nós temos a obrigação de fazer uma contraofensiva às fake news. É impressionante a força das informações falsas, sem qualquer embasamento científico sustentável, vinculadas em redes sociais, mas que, de uma forma muito rápida, acabaram povoando o imaginário de pessoas, que também ficavam entretidas com posicionamentos ideológicos completamente equivocados e contrários à ciência.”

A secretária de Saúde de Curitiba, Beatriz Battistella Nadas, defendeu a busca por uma nova forma de levar informações para convencer as pessoas da importância das vacinas. Ela lembrou que uma grande faixa da população não teve convivência com surtos de doença, comuns até a década de 1980. “O que estamos fazendo hoje não é suficiente. Há uma inatividade, um comodismo bastante acentuado da nossa forma de ver das pessoas, mas não porque é culpa delas. É porque realmente o delivery, o imediatismo, as pílulas mágicas afastam as pessoas.” A secretária contou que, mesmo com o status de pandemia para Covid-19 e a oferta de doses contra doença, a adesão dos curitibanos ao reforço da vacinação está muito baixa. Apenas 26% da população apta a tomar a vacina bivalente foi até um posto de saúde tomar a dose. “3 mil doses de vacina foram jogadas no lixo”, afirmou Beatriz Nadas.

Este temor é também compartilhado por Heloisa Giamberardino, médica pediatra infectologista, responsável pelo Serviço de Epidemiologia e Controle de Infecção Hospitalar e pelo Centro de Vacinas Pequeno Príncipe. “Estamos tendo um reprocesso em termos de aparecimento de infecções antigas, inclusive o risco da volta da poliomielite. O último caso da doença foi registrado no Brasil em 1989. Estamos atrás apenas do Haiti entre os países com cobertura vacinal contra a pólio”, ressaltou a médica. Heloisa falou ainda do movimento mundial antivacina. “Tem uma retórica muito agressiva, muito radical. Fazem lobby, divulgam literatura não confiável, estudos polêmicos.”

A pesquisadora Letusa Albrecht, da Fiocruz Paraná, apresentou novas pesquisas sobre imunizantes e ressaltou que as vacinas são responsáveis por uma melhor qualidade de vida e uma maior expectativa de vida da população brasileira e mundial. “Temos vacinas contra diferentes doenças. Doenças que hoje raramente a gente ouve falar, que já foram erradicadas, como a varíola.” Letusa reforçou que mesmo com os avanços das últimas décadas, a ciência tem uma longa caminhada para enfrentar males que ainda não têm uma vacina eficaz, como a malária. “É uma doença que ainda hoje mata em todo o planeta. A malária é distribuída, principalmente, nas regiões tropicais. No início do século passado, ela estava presente em todo o planeta. Com o passar dos anos, foram iniciadas várias campanhas e conseguimos eliminar a malária de boa parte das regiões desenvolvidas, das regiões temperadas, mas ela é muito presente nas regiões tropicais.” Letusa também ressaltou que a erradicação da malária faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas.

A coordenadora-geral de Popularização da Ciência, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luana Bonone, encerrou o simpósio “Da vacina à vacinação”. Luana trouxe informações alarmantes de uma pesquisa realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, unidade vinculada ao ministério, que demonstra a percepção da população brasileira sobre a ciência e a tecnologia no país. “A última edição é de 2019. Embora seja antes da pandemia, o comparativo com 2015 nos mostrou que estava em processo uma narrativa de descrédito, de redução da importância do papel da ciência e da tecnologia. Se, em 2015, 78% das pessoas entendiam que era necessário aumentar o investimento em pesquisa no Brasil, esse percentual cai para 66%, em 2019. Já o percentual de pessoas que entendiam que a ciência só traz benefícios estava em 54% em 2015 e caiu para 31 %, em 2019.”

A coordenadora reforçou em sua fala que a liberdade individual não pode ameaçar os direitos da sociedade. “Ao mesmo tempo que tem o direito do indivíduo de não querer que viole o seu corpo, ele como indivíduo que faz parte de uma sociedade não pode representar uma ameaça à sociedade se não for devidamente vacinado”, afirma Luana. “Mas é um debate que, se ele for feito só na letra fria da lei ou na demonstração da pesquisa muito bem fundamentada, não chega ao imaginário, não chega no convencimento da população, que é também fundamental.” Bonone destacou a importância da disseminação dos conhecimentos científicos, da popularização da ciência, para contar com adesão da sociedade às políticas propostas para melhoria da qualidade de vida da população.

O diretor do Instituto Carlos Chagas, Fiocruz Paraná, que abriu o evento dando as boas-vindas aos palestrantes e a todos os participantes, destacou a atualidade do tema discutido e a qualidade do debate realizado. “Escolhemos abrir as festividades de aniversário do ICC com um tema tão atual quanto urgente, em um evento que reuniu especialistas em suas respectivas áreas. O comprometimento e a dedicação de cada um de nossos convidados com os temas com os quais trabalham fizeram com que o debate fosse muito rico, abordando várias facetas de um mesmo problema, sempre na perspectiva de achar estratégias para melhorar o cenário vacinal em nosso país. Nada poderia representar melhor os 14 anos da Fiocruz Paraná do que essa mostra de esforços para fortalecer o SUS e a saúde da população brasileira”, declarou Fragoso.

Fotos: Itamar Crispim


Deixe uma resposta

Time limit is exhausted. Please reload CAPTCHA.

TOP