Pesquisas da Fiocruz Paraná são destaque no enfrentamento à febre oropouche no Brasil
Em entrevista, virologista esclarece dúvidas sobre o vírus e apresenta avanços e desafios para a saúde pública
Nos últimos meses, o Brasil enfrenta um aumento significativo de casos de febre oropouche, uma arbovirose transmitida principalmente pelo mosquito-pólvora, o Culicoides paraensis. Com sintomas que podem ser confundidos com os de outras doenças causadas por mosquitos, como dengue e chikungunya, a febre Oropouche pode evoluir para uma segunda fase de manifestações clínicas com o agravamento do quadro. Segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, foram registrados cerca de 7 mil casos em todo o país. Na região sul, o estado de Santa Catarina vem registrando um aumento de casos e algumas cidades já decretaram emergência em relação à doença.
A pesquisadora Cláudia Nunes Duarte dos Santos, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Paraná – referência para o Ministério da Saúde em vírus emergentes e reemergentes -, é uma das especialistas que lideram as pesquisas sobre o vírus oropouche no Brasil. Nesta entrevista, ela reforça a importância da vigilância epidemiológica para que os estados vizinhos como o Paraná não evoluam para um cenário como o catarinense. A pesquisadora ainda esclarece as principais dúvidas sobre o vírus, suas características, seu comportamento epidemiológico e os desafios para o diagnóstico e prevenção da doença.
O que é o vírus oropouche e quais são suas características principais?
O vírus oropouche é um arbovírus, ou seja, é transmitido através da picada de artrópodes, como mosquitos, e pertence à mesma categoria de outros vírus como dengue, chikungunya e febre amarela. Ele foi identificado pela primeira vez entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960 no Brasil, inicialmente causando infecções mais restritas na região Norte do país, geralmente em áreas próximas a zonas de mata. Contudo, recentemente, a partir de meados de 2023, o vírus começou a ser detectado fora dessa região, o que sugere uma dispersão para outras regiões.
O aumento de casos está relacionado à ampliação da capacidade diagnóstica?
Sim, em parte. Recentemente, tivemos um aumento significativo na nossa capacidade diagnóstica, com o desenvolvimento de reagentes para biologia molecular que foram distribuídos para vários laboratórios do país. Isso certamente ajudou na identificação de mais casos. Entretanto, não é apenas isso. O vírus realmente saiu da região Amazônica e se espalhou para outras áreas devido a fatores como aumento da destruição da biodiversidade e aquecimento global, que favorecem o contato entre seres humanos e ciclos silvestres do vírus e, impactam no comportamento dos mosquitos vetores. Agora, com mais dados, estamos analisando retrospectivamente para entender melhor a dinâmica dessa dispersão.
O que diferencia a febre oropouche de outras arboviroses como dengue e chikungunya?
Assim como outras arboviroses, os sintomas iniciais da febre oropouche incluem febre, dor de cabeça, dores musculares e articulares, o que pode ser confundido com dengue ou chikungunya. Porém, a febre oropouche se diferencia por apresentar duas fases de sintomas. Na primeira fase, há febre alta, dor de cabeça intensa, principalmente na nuca, dor muscular, náuseas e, em alguns casos, sangramentos. Após uma melhora aparente, os sintomas podem retornar entre uma e duas semanas depois
Existe algum risco de mutação que possa aumentar a virulência do vírus oropouche?
O material genético do vírus oropouche é composto por três segmentos separados (pequeno, médio e grande) que têm a capacidade de se recombinar. Se uma célula é infectada simultaneamente por vírus próximos geneticamente, esses segmentos podem se rearranjar, criando um vírus propriedades biológicas distintas. É o que foi detectado nos vírus que circulam fora da região Amazônica. Estamos monitorando essas mudanças através de vigilância genômica, analisando as amostras recebidas para verificar se há mutações que possam aumentar a virulência, transmissibilidade ou melhorar a adaptação ao vetor.
Quais são os desafios no controle e prevenção da febre oropouche?
O principal vetor da febre oropouche é o mosquito Culicoides paraensis, popularmente conhecido como mosquito-pólvora ou maruim, encontrado em áreas de cultivos como cacau, café e banana. Esse mosquito é muito pequeno, o que dificulta sua contenção com telas comuns, por exemplo. Ainda não sabemos se os repelentes disponíveis no mercado são totalmente eficazes contra ele. Portanto, a prevenção envolve, principalmente, evitar ambientes com acúmulo de matéria orgânica em decomposição no solo e usar medidas de proteção individual, como roupas de mangas longas e repelentes. Outro desafio é aumentar a conscientização sobre a doença, já que o perfil clínico pode variar bastante e a presença de outras comorbidades pode agravar a infecção.
Quais são os próximos passos na pesquisa sobre o vírus oropouche?
Nosso laboratório, como referência para o Ministério da Saúde, está focado na vigilância genômica para monitorar possíveis mutações e adaptações do vírus. Estamos desenvolvendo kits diagnósticos rápidos que possam ser utilizados em locais de difícil acesso, para facilitar o diagnóstico precoce e o controle da disseminação do vírus.
O que aprendemos com pandemias anteriores que pode ajudar nos avanços das pesquisas do vírus oropouche?
Aprendemos que a agilidade no desenvolvimento de diagnósticos, vacinas e tratamentos é essencial para conter surtos. A experiência com o zika vírus nos ensinou sobre a importância da vigilância genômica e da colaboração global. Estamos aplicando essas lições ao estudo do vírus oropouche, desenvolvendo ferramentas e parcerias que nos permitam responder rapidamente às mudanças na epidemiologia da doença.
Como a febre oropouche tem se manifestado em Santa Catarina, e quais são os principais desafios que o Paraná enfrenta em relação à doença?
Santa Catarina tem sido um dos estados mais afetados pela febre oropouche, com muitos casos confirmados, especialmente em áreas rurais onde há plantação de banana e outras culturas que criam condições favoráveis para a proliferação do mosquito vetor. No Paraná, o cenário é um pouco diferente. Até agora, não houve nenhum caso de transmissão autóctone (local) confirmado. Muitos casos identificados aqui no Paraná são de pessoas que viajaram para Santa Catarina e foram infectadas lá. No entanto, a vigilância epidemiológica precisa ser constante, pois o mosquito vetor pode se adaptar e se dispersar para novas áreas. Estamos investigando se existem outras espécies de mosquitos que possam servir como vetores para o vírus a exemplo do que foi observado em Cuba (Benitez AJ, Alvarez M, Perez L, Gravier R, Serrano S, Hernandez DM, et al. Oropouche fever, Cuba, May 2024. Emerg Infect Dis. 2024 Oct [date cited]. https://doi.org/10.3201/eid3010.240900).
O que destacaria como desafios para o enfrentamento da doença como um problema de saúde pública?
A falta de conhecimento sobre a dinâmica do vetor, especialmente sua capacidade de adaptação ao ambiente periurbano, representa um desafio. Outro ponto crítico é a necessidade de diagnósticos rápidos e eficazes. Como temos um número limitado de profissionais especializados, nosso progresso no desenvolvimento de kits de diagnóstico e estudos genômicos tem sido mais lento do que gostaríamos. Portanto, o maior desafio para o Paraná é manter a vigilância ativa e preparar-se para uma possível dispersão do vírus, considerando as complexidades do ecossistema local e as movimentações humanas frequentes entre os estados.
Foto: Ilustração do vírus Oropouche. CIPhotos/iStock