Nova linha de pesquisa é implantada na Fiocruz Paraná a partir da iniciativa de pais em busca de soluções para doença rara da filha

por / segunda-feira, 27 setembro 2021 / Categoria Instituto Carlos Chagas

A busca incansável de um pai e de uma mãe para amenizar os efeitos e conhecer as possibilidades de terapia para a doença rara da filha, causada pela mutação de um gene, abriu novas perspectivas para a pesquisa básica desenvolvida por cientistas do Instituto Carlos Chagas (ICC/ Fiocruz Paraná). Dois mundos diferentes que se aproximaram e se uniram de uma forma inusitada, trazendo ganhos para todos e alcançando proporções inesperadas. Uma nova linha de pesquisa em doenças raras foi implantada no ICC, trazendo possibilidades para pessoas que são acometidas por elas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, as doenças raras afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos ou 1,3 a cada dois mil.

Marcos e Bianca Mafra são pais de Isabella, hoje com três anos de idade, e moradores da cidade catarinense de Blumenau. Quando os sintomas neurológicos começaram a aparecer, uma verdadeira peregrinação a neurologistas e outros especialistas foi iniciada. Após o exame que sequenciou o DNA de Isabella, uma variante patogênica no gene CYFIP2 foi identificada. “A doença da Isabela não tem sequer nome e essa mutação havia sido descrita há poucos anos. Queríamos mais respostas, entender o que estava acontecendo. Seguimos as recomendações médicas e passamos a tratar os sintomas com remédios, fisioterapia, fonoterapia, entre outros”, explica Marcos. “Fui pesquisar e descobri que havia pesquisas com edição genética. Questionei um dos médicos sobre esse tema e ele me disse que poderia ter mais informações se procurasse a pesquisadora da Fiocruz Paraná, Patricia Shigunov. Mandei email para ela com alguns artigos científicos que encontrei na internet e, para minha surpresa, ela respondeu pedindo que eu fosse até o Instituto”, relata o pai de Isabella.

Patricia, pesquisadora do Laboratório de Biologia Básica de Células-tronco do ICC, conta que, ao receber o email, mesmo não trabalhando com pesquisas na área de doenças raras com sintomas neurológicos, percebeu que precisava fazer algo. “Marcos veio até o ICC e conversamos durante uma tarde inteira sobre a doença de Isabella. Apesar de eu ter apresentado para ele como nossas pesquisas são feitas no laboratório, fui eu quem aprendeu muito naquele momento. Um pouco antes de ele ir embora, prometi que iria elaborar um projeto de pesquisa para o caso e foi o que fizemos”, ressalta Patricia.

Para Marcos, a primeira visita a uma instituição de pesquisa como a Fiocruz foi surpreendente. “Estava ali com uma cientista que parou para me ouvir e foi muito solícita comigo. Ela havia lido os artigos que enviei e lembro que quando perguntei a ela se poderia entrar, ela me disse que aquele lugar era da população, que trabalhavam para a saúde pública”, lembra. Bianca, mãe de Isabella, também ficou surpresa com o acolhimento à família. “Quando Marcos me contou que ela havia lido os artigos, nem acreditei. Não esperava muito desse encontro. Mas hoje, o trabalho da Fiocruz nos mantém com esperança e nos fortalece muito. Mando muitas energias positivas para que os pesquisadores consigam avançar”, avalia Bianca.

Busca do conhecimento a partir da pesquisa básica

Com o projeto elaborado, a doutoranda Isabelle foi incorporada ao projeto e ficou responsável por desenvolver um modelo para o estudo de medicamentos in vitro utilizando as células da urina da paciente. Para potencializar o estudo, Patricia Shigunov foi buscar parceria e apoio com outra pesquisadora do ICC, Tatiana Brasil, do Laboratório de Proteômica Estrutural e Computacional. “Por ser uma variante nova e dominante, era necessário trabalhar com a análise computacional de moléculas específicas que seriam possíveis candidatas para a terapia da doença de Isabella. Com a adesão da Tatiana ao projeto, conseguimos potencializar o estudo em dois grupos de pesquisa do Instituto. Já trabalhávamos com doenças raras, como fibrose cística, mas nunca havíamos trabalhado com doenças desse tipo, que atacam o sistema neurológico”, pontua a pesquisadora.

Ao receber o convite para integrar o projeto, Tatiana Brasil, aceitou prontamente, mesmo sabendo que se tratava de algo novo para toda a equipe. “Nunca passou pela minha cabeça não abraçar a causa. Ao ler os artigos, percebi que havia uma complexidade maior em pesquisar o funcionamento das proteínas relacionadas a essa mutação. Para isso, incorporamos a Isis Biembengut ao projeto, doutoranda que acumula uma experiência em biologia computacional e que poderia nos ajudar a avançar mais rápido”, esclarece Tatiana. “Aprendemos muito. Tínhamos expertise, mas não nessa especificidade. Já colhemos bons frutos, com a formação dos alunos e o desenvolvimento de um processo que também foi utilizado para as pesquisas que envolvem coronavírus”, comemora a pesquisadora. Outro fruto importante foi a colaboração que surgiu entre o ICC e pesquisadores japoneses, apresentados para as cientistas pelo pai de Isabella.

Tanto para Patricia, quanto para Tatiana, a experiência de troca com Marcos, Bianca e Isabella reforçou o compromisso da ciência básica com a população. “Muitas vezes o cientista bola hipóteses frente a um problema que ele pensa que existe. É preciso avaliar o impacto que a pesquisa pode causar na vida das pessoas, validar a importância de seu estudo para a sociedade. Este caso mostra isso”, avalia Tatiana. Para Patricia, a pesquisa, que utiliza amostras de urina de Isabella como base, se fortaleceu muito com a parceria. “Sou muito grata por eles terem tomado a iniciativa. Acredito que todas as pessoas que aparecem em nossa vida têm algo para nos ensinar. Por isso, me esforcei para começar a buscar respostas”, dispara.

Marcos e Bianca também procuraram por outros cientistas de importantes instituições no Brasil e no exterior, mas o resultado da parceria com as pesquisadoras do ICC realmente avançou. Em sua jornada em busca de soluções e entendimento para a doença de Isabella, os pais estenderam sua preocupação a outras famílias que passavam pela mesma situação. Hoje, gerenciam grupos de WhatsApp, um nacional e outro internacional, com pais que também fizeram a descoberta da mutação no mesmo gene em seus filhos.

Os pais de Isabella entendem que a pesquisa básica tem etapas de desenvolvimento e pode demorar anos para que haja uma real aplicação.  “Fico muito feliz porque elas enxergaram uma oportunidade de fazer o melhor uso do recurso público e desenvolver um conhecimento que pode abrir uma fronteira nova. Isso é ciência. Aquele meu pessimismo no início não existe mais, porque hoje existem cientistas que acreditam no potencial dessa pesquisa. Se, em função do tempo necessário para obter resultados de aplicação, o trabalho da Fiocruz não ajudar a minha filha, vou ficar triste, mas a tristeza vai amenizar quando pensar que pude ajudar outras crianças e outras famílias no futuro”, finaliza Marcos.

A linha de pesquisa continua sendo desenvolvida e incentivada. Marcos e Bianca passaram a fazer praticamente parte da equipe e levam aos pesquisadores o estímulo tão necessário para gerar descobertas que possam auxiliar no tratamento da pequena Isabella.

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