ICC integra Rede Fiocruz de Referência em Leishmanioses

por / quarta-feira, 07 Março 2018 / Categoria Instituto Carlos Chagas

Subcoordenação de Reservatórios está sediada na unidade paranaense e reforça a atuação do Instituto nacional e regionalmente

Reforçando a importância de sua atuação regional e nacional em prol da saúde pública, o Instituto Carlos Chagas (ICC/ Fiocruz Paraná) passou a sediar a subcoordenação de Reservatórios da Rede Fiocruz de Referência em Leishmanioses. O trabalho desenvolvido pela rede – formada por laboratórios de cinco unidades técnico-científicas da Fiocruz, incluindo, além do ICC, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), Instituto de Pesquisa René Rachou (Fiocruz Minas) e o Instituto de Pesquisa Aggeu Magalhães (Fiocruz PE) – envolve o atendimento à pacientes referenciados, realização de diagnóstico parasitológico e imunológico das leishmanioses, capacitação e controle de qualidade de diagnóstico parasitológico, além da assessoria a profissionais de saúde na assistência a pacientes e a municípios na organização de serviços e a colaboração com setores governamentais participando de comitês de assessoramento.

No ICC, com a chegada do pesquisador Fabiano Borges Figueiredo, que é subcoordenador da área de Reservatórios da Rede e hoje integra a equipe do Laboratório de Biologia Celular, uma nova linha de pesquisa relacionada à Leishmaniose foi implantada. Em entrevista, o especialista explica qual a participação do Instituto no trabalho e enfatiza a importância do enfrentamento à doença infecciosa causada por parasitas do gênero Leishmania.

O que é a leishmaniose, como ela é transmitida?

Ainda considerada uma doença negligenciada, a leishmaniose pode se apresentar de diferentes formas clínicas, sendo as mais prevalentes , a tegumentar cutânea e a visceral. A transmissão ocorre pela picada de insetos vetores, os flebotomíneos, popularmente chamados de “mosquito palha”, que se infectam com o sangue de pessoas e animais doentes e transmitem o parasito a pessoas e animais sadios. Na forma visceral, o cão é considerado fonte de infecção para o vetor da doença. Por isso, a principal estratégia de controle do Ministério da Saúde é o diagnóstico  canino e a retirada dos animais infectados da área endêmica. Já na forma tegumentar, o cão  infectado não é considerado uma boa fonte de infecção para o vetor, portanto, não há indicação para sua retirada. O tratamento para a doença em humanos é disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e baseia-se na utilização de fármacos. Já no caso da leishmaniose canina, o Ministério da Saúde aprovou, em fevereiro de 2017, a comercialização de um medicamento. Porém, quem tem recursos, consegue tratar, mas a grande maioria ainda não tem essa possibilidade porque é uma doença de áreas mais pobres e MS não disponibiliza esse tratamento, já que seu foco é a saúde humana. Além disso, esse tratamento, cientificamente, não apresentou impacto no controle da doença.

Como está o panorama atual da doença no país?

Existia uma maior prevalência da doença na região Nordeste e, ao longo dos anos, os casos foram aumentando em outras áreas como o Centro Oeste, em cidades como Palmas, Brasília. Hoje, já existe um grande número de casos registrados na região Sudeste, em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Belo Horizonte, historicamente é a cidade de maior prevalência da região Sudeste e, há poucos anos, estamos observando a expansão para a região Sul. No Rio Grande do Sul, na cidade de São Borja houve um surto e atualmente já foram registrados casos na região metropolitana de Porto Alegre. Mais recentemente, com a proximidade de cidades do interior de São Paulo, no Paraná, a cidade que tem maior número de casos é Foz do Iguaçu, isso relacionado a forma visceral da doença. Em relação a tegumentar, o Brasil todo é endêmico, mas a visceral vem se expandido muito nos últimos anos.

As unidades regionais da Fiocruz, além de atuar nacionalmente, também atendem demandas regionais. Por conta dessa expansão da doença, a atuação de um serviço de referência nessa área no ICC é importante nesse momento. Como foi sua vinda para o Paraná?

Eu já atuava no Centro de Referência de Leishmaniose no Rio de Janeiro, no INI e, como tenho formação em Veterinária, sou responsável pela parte de reservatório doméstico. Os laboratórios de referência têm uma característica única e geralmente atuam localmente. No caso da Leishmaniose, esse serviço se transformou em rede que tem como coordenadora a pesquisadora Elizabeth Rangel, do IOC, e subcoordenadores regionais. Quando trouxe a subcoordenadoria de reservatórios aqui para o Paraná e, além do quadro da expansão da doença, a excelente estrutura do ICC para a pesquisa foram pontos decisivos para minha escolha.

Como o trabalho é desenvolvido?

A peculiaridade é que, diferente dos outros laboratórios de referência, que recolhem amostras, nós realizamos um treinamento na área endêmica. Ocorreu na cidade gaúcha de São Borja, por exemplo. Havia, na região, suspeitas de casos caninos, mas não se tinha confirmação por exames laboratoriais. Os veterinários locais, por nunca terem contato com a doença, não tinham qualificação para coletar amostras de forma adequada, armazenar e enviar o material para o laboratório. Neste momento, em parceria com órgãos estaduais, nossa equipe promoveu um treinamento teórico com os profissionais locais, em sua maioria funcionários públicos. Neste caso foi assim, mas a ação pode se estender a rede particular de veterinários, uma rede importante por ter o primeiro contato com o cão doente e poder notificar. Depois do treinamento teórico, alguns dos profissionais foram selecionados para o treinamento prático de coleta, que acontece no Centro de Zoonoses do município. Após a coleta, por meio do Laboratório Central do Rio Grande do Sul (Lacen), o material foi enviado para os laboratórios da Rede para que o exame laboratorial confirmasse o diagnóstico. Trabalhamos dessa forma e, de acordo com os resultados dos laboratórios, se for positivo, consideramos a área endêmica para leishmaniose.

A partir daí, iniciamos o treinamento para o controle, que consiste no diagnóstico sorológico em um raio de 100 metros ao redor do caso confirmado, com pelo menos 100 cães. Os cães sororeatores após a confirmação, são retirados e indicados para eutanásia, seguindo as recomendações do Conselho Regional de Medicina Veterinária e  como preconizado pelo Ministério da Saúde. No Paraná, realizamos treinamentos na cidade de Cerro Azul, que fica na região do Vale do Ribeira.  

Então, o trabalho também abrange a vigilância?

Sim, e todo o trabalho é realizado com o orçamento do serviço de referência. A vigilância é importante, porque são casos graves, o tratamento é restrito, são poucas drogas disponíveis, com uma toxicidade bastante alta, principalmente em crianças e idosos. A grande maioria dos surtos no Brasil, começa com casos caninos. Os cães, mesmo infectados, poderem não apresentar sintomas por até cincos, o que, os torna imporantes sentinelas. O flebotomíneo vetor não se reproduz em água como o mosquito da dengue. Ele se reproduz em matéria orgânica, como folhas em decomposição, frutos, fezes de animais etc. e por isso há muita dificuldade de controlar sua disseminação.

E quais são as perspectivas para o trabalho aqui no ICC, no Paraná?

Lá no Rio de Janeiro, fazíamos, na minha subcoordenação, somente o trabalho de campo. Aqui, com a minha vinda efetiva para o ICC, com a estrutura de pesquisa que temos no Instituto, existe a possibilidade de ir além. Já estamos desenvolvendo a cultura parasitária, a reação em cadeia da polimerase (PCR, na sigla em inglês) e o diagnóstico sorológico. Nós realizamos a coleta no trabalho de campo, realizamos o armazenamento e trazemos o material para o ICC. No laboratório, são realizadas a cultura, a PCR e a sorologia. Para a realização da caracterização da espécie de Leishmania as amostras são enviadas para o INI no Rio de Janeiro. Nossa subcoordenação está mais avançada em relação aos exames laboratoriais. Nosso objetivo, em futuro próximo é criar um Centro de Referência Regional para Leishmaniose na região Sul. Sabemos que há demanda para isso e temos essa expertise.

Por Renata Fontoura /ASCOM – ICC
Foto: Itamar Crispim

 

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